quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Adorno e Horkheimer em A Indústria Cultural


Em A Indústria Cultural – O Iluminismo como Mistificação de Massas , Theodor W. Adorno e Max Horkheimer mostram que a indústria cultural que se formou com o capitalismo está descaracterizando o valor de arte e a função da cultura. Para eles, a estandartização das técnicas de produção estagnou o conhecimento histórico e instalou o valor de mercado. As pessoas se sujeitam a determinadas imposições para pertencerem a uma sociedade que se julga superior e tem caráter elitista; desesperado, o cidadão comum torna-se presa fácil para os líderes. No caos cultural, palácios e sedes decorativas representam a pura racionalidade sem função e sentido dos grandes cartéis internacionais; perto desses monumentos, as casas populares que utilizamos parecem favelas. O culto ao aço parece não ser motivo de grandes preocupações.

Utilizando o negócio como ideologia, cinema, televisão e rádio não produzem arte. Verifica-se a industrialização desses meios e a perda de caráter social ao vermos o custo de produção dos materiais divulgados. A técnica atua como meio de poder dos mais ricos sobre a sociedade, que se aliena. Se temos o telefone, que permite uma conexão bilateral, temos também o rádio, que descaracteriza o sujeito ao não permitir uma réplica na comunicação. Adaptações como as de um livro para um filme retiram a originalidade da obra, e a sociedade crê que a película é tão igual ao material impresso. Se essa indústria é alimentada por alguém, cabe aos bancos fornecer os investimentos necessários, e ao governo a tarefa de não interromper o ritmo maçante da produção "cultural".

No meio disso tudo está o consumidor. Aquele que inocentemente reconhece qualquer produção estética como sendo arte. Na verdade, a padronização dos espectadores os torna massa de manobra e conteúdo meramente estatístico. Mede-se a repercussão de um programa não pelos seus comentários e críticas, mas sim pelos pontos de audiência e vendas que ele proporcionou às empresas que mantêm esse mercado. Os produtos gerados pela indústria cultural são vendidos como se fossem diferentes, mas têm uma similaridade muito forte, vindos até mesmo de uma mesma empresa produtora. A finalidade dessa diferenciação aproximada é forjar concorrência e possibilidade de escolha.



Os meios de comunicação não têm originalidade, novidade. A televisão, síntese do rádio e do cinema, vende-se como produto único e exclusivo. A proposta cultural é dividida em etapas para sua feitura, e o valor original de arte é perdido. Temos produtores, assistentes, atores. Só não temos conteúdo. Assim é nos espetáculos de música, dança, nas novelas. Todo material produzido retorna ciclicamente ao mercado, com as mesmas intenções, mas com uma embalagem, uma roupagem diferente. O particular técnico interfere na obra, a qual tem sua idéia primeira sendo extinta aos poucos durante a produção. A parte incisiva da obra, o detalhe perspicaz, são remodelados e inseridos em um todo que já não permite distinções. Segue-se uma ordem progressiva, e aparentemente correta, mas que não utiliza conexões significativas.

A indústria cultural manipula a vida do cidadão comum. Tenta assemelhar os fatos de um filme aos da vida, como se um fosse continuação do outro. A atividade mental do espectador é vetada, assim como a sua capacidade interpretativa e de reação às mensagens enviadas. A cultura orgânica que se observava no período pré-capitalista acaba. O tipo de indústria que predomina hoje revela-se como a própria meta do liberalismo que censurava a falta de estilo.

Quem não se adapta a isso é massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do cidadão. A supremacia das instituições existentes nos aprisiona de corpo e alma a ponto de, sem resistência, sucumbirmos diante de tudo que nos é oferecido. As massas enganadas de hoje são mais submissas ao mito do sucesso que os próprios afortunados. Estes, sabem que o sucesso torna-se econômico; aqueles, crêem no estrelato como obtenção de reconhecimento na sociedade.

A novidade do estágio de cultura de massa em face do liberalismo está na exclusão do novo; a máquina gira em torno de seu próprio eixo. Chegando ao ponto de determinar o consumo, afasta como risco inútil aquilo que ainda não foi experimentado. Se algo está dando certo, tem que continuar dando, independentemente de seu conteúdo ou custo. Só o triunfo universal do ritmo de produção e de representação mecânica garante que nada mude, que nada surja que não possa ser enquadrado. Se existe o novo, ele é remodelado e idealizado como parte de um sistema já existente e perpetuado na sociedade.

Arte e divertimento estão sendo reduzidos a um falso denominador comum, à totalidade da indústria cultural. Exibe-se um determinado conteúdo e liberta-se ele de qualquer suspeita, de qualquer sensação sublime, na mente do espectador; o que vale não é a dúvida, não é a subjetividade da arte. A compreensão total desse conteúdo é visto como caráter definidor de arte, assim como a sua objetividade. Não se trabalha mais com a cabeça, com o questionamento, pois o produto nos prescreve de qualquer reação. Toda conexão lógica que exija reflexão intelectual é evitada. Nos filmes dramáticos, policiais, de aventura, não se concede ao espectador a possibilidade de uma progressiva descoberta; tudo é entregue mastigado, lapidado, e permanece igual do início ao fim. Se antes os desenhos animados faziam justiça ao processo definidor de sua história, hoje não fazem mais do que confirmar a vitória da razão tecnológica sobre a verdade. O prazer da violência contra o personagem transforma-se em violência contra o espectador, o divertimento converte-se em tensão. O sarcasmo e a futilidade das ações, absolutamente desconexas, reforçam o vazio das produções.

O sistema inflado pela indústria do divertimento não torna mais humana a vida para os homens. O sistema econômico usa a técnica para consumo estético da massa e não para acabar com a fome. A renda das bilheterias, os bônus de um best-seller, a renda gerada por esse tipo de produção é investida na sua própria manutenção, e na de quem a mantém.

A indústria cultural é pornográfica e hipócrita, reduz o amor à fumaça. Torna o riso um instrumento de fraude sobre a felicidade, apresenta sexo entre gargalhadas. Cria estereótipos e mitos, divulga-os como comuns e relevantes para a sociedade. Oferece uma coisa e priva o consumidor dela, gerando uma frustração permanente. Ela é permanente porque, a partir do momento em que não podemos ter essa coisa, poderemos estar sempre procurando por ela, como um cão que busca o rabo. Enquanto isso, os poderosos tornam-se ainda mais fortes.

A diversão jogada para a massa significa a ausência de seu pensamento, o esquecimento da dor, mesmo onde ela se mostra. E nessa base funda-se a impotência. O querer e não poder ter, o tentar e não conseguir ser. Cria-se uma realidade ilusória para o espectador. Tal fato é verificado na televisão, no cinema. O cidadão comum acredita que pode fazer parte desses meios, mas eles recrutam apenas as pessoas que estejam enquadradas em conceitos que não são necessariamente o talento e o conhecimento. O funil para o estrelato é o fim das capacidades verdadeiras da sociedade. A idealização vence o conhecimento.

Essa tentativa de conseguir algo e não obter funda a condição de que o sistema pode ser tolerado. O indivíduo utiliza seu desgosto para entregar-se ao poder coletivo, que não prevê mudanças. O descontentamento com a realidade é tão grande que parece não haver meios de mudá-la.

A cultura não é mais algo que provoque sensações e crie arrebatamentos mentais no espectador. O valor original de uma obra, o seu caráter histórico, o seu valor enquanto representação pessoal, se perdem. A perplexidade e o sublime são irrelevantes em uma sociedade na qual não vigora o conhecimento. A indústria cultural manipula o conceito de arte, produz materiais de conteúdos duvidosos, divulga-os como isentos de interesses econômicos. Utiliza a idéia de capitalismo e produção em massa como conseqüência histórica da civilização, como uma evolução dos meios anteriormente desenvolvidos. A arte da maneira que é feita gera interesse e lucros, o que moveria o capital dos países e permiria um desenvolvimento econômico maior. O que acontece na verdade é a valorização de um interesse financeiro permanente, enquanto a história e as origens da sociedade são reviradas de maneira voraz. A cultura já não parte do povo como uma manifestação autêntica e espontânea. O cinema, o rádio e a televisão determinam os comportamentos e os pensamentos da sociedade. Esta, não se vê representada nos meios de comunicação, e apenas é induzida e chantageada a consumi-los. A identidade popular construída através do tempo é soterrada pelo concreto dos que detém poder.



Texto retirado do site

http://www.rabisco.com.br/58/industria_cultural.htm

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